NÃO FAZEMOS SENTIDO SOZINHOS: REFLEXÕES SOBRE O SUJEITO DA ATUALIDADE E SUAS RELAÇÕES.
*Elza Regina Batocki
Vivemos um momento histórico delicado em se tratando de processos de subjetivação. Os avanços tecnológicos seguem avançando em todas as direções, abreviando tarefas e estreitando caminhos. No entanto, cresce a cada dia a ‘falta de tempo’ para as experiências mais simples e essenciais para a constituição da subjetividade. Na era da utilidade, sobram-nos os recursos e falta-nos a sabedoria para fazermos uso destes.
Para a psicanálise o sujeito se constitui a partir de seus relacionamentos e das marcas destes herdadas, sendo, portanto, dependente do seu meio. Estamos continuamente incorporando o ambiente que nos circunda e nos inscrevendo nele. A realidade interna, como diria Winnicott, se sustenta na realidade compartilhada e vice-versa. Porém, os avanços nos conhecimentos e tecnologias tem sido suficiente para nos tornar mais sábios e preparados para vivermos em grupo?
Quando se busca uma definição de cultura para o momento histórico em que nos encontramos, percebemos o quanto o processo de subjetivação tem se mostrado difuso e indefinido.
Pergunto a um garoto de 10 anos sobre o que é cultura para ele e sua resposta muito simples é a seguinte:
“A Cultura tem a ver com aquilo que é específico de um ‘lugar’ (da história daquele lugar), é tudo que fica do costume daquele povo. É como uma Identidade. Aliás a Identidade precisa de uma Cultura. ”
Mas o que pensar sobre o volume e a qualidade dos conteúdos que temos produzido e consumido nos dias atuais e nas condições que temos criado nossas relações?
A cultura não está relacionada a posse de conhecimentos e saberes, não havendo, portanto, pessoa inculta, nos aponta Chauí. Assim como demonstra a origem dessa palavra, (colere) cultura está relacionada ao ato de cuidar, e cita alguns exemplos como a puericultura (cuidar das crianças) e agricultura (cuidar das plantas). Para esta, refere-se à capacidade de se relacionar com o ausente, com os símbolos.
Nesse sentido, poderíamos pensar que a cultura fundamenta a identidade de um povo, inscrita através de hábitos (tradições, ritos) que mantém a ligação de um sujeito com seu grupo? Ainda que inconscientemente?
Quando a mesma pergunta é feita a um adulto, nos deparamos com os ruídos decorrentes dos excessos de informações e associações em torno do seu significado, e por consequência a perda do seu sentido.
Esse é um risco que corremos ao pensar que o acúmulo de informações nos garante algum tipo de autoconhecimento. Pelo contrário, o que parece mais comum é um apagamento das culturas e identidades.
Estamos jogados inegociavelmente num ritmo frenético, repleto de urgências, que nos mantém ocupados demais para ‘pensar’ o que estamos vivendo. Desse modo, estamos perdendo a capacidade de viver a experiência presente. Em seu livro ‘Ideias para adiar o fim do mundo’, Krenak comenta que é “como se estivéssemos soltos num cosmos vazio de sentido”, nos alertando para um afastamento da natureza. Estamos assistindo um afastamento da natureza humana e ficando cada dia mais semelhantes ao funcionamento maquinico / mecânico.
Quando Freud criou a Psicanálise o mundo era algo diferente daquilo que experimentamos hoje. A realidade cultural e consequentemente os enquadres daquela época ficavam em torno de estruturas neuróticas.
Para alguns autores mais recentes, como Green, o sujeito moderno caminha pela via da não-neurose. Para ele, esses casos-limite, apresentam um empobrecimento das representações, dificultando a simbolização. Sem representação e processo simbólico o sujeito fala, atua, expressa mas não comunica nada. Pois sem essas condições psíquicas não há ‘lugar’ para o desejo inconsciente.
As condições de vida contemporânea atropelam os processos mais importantes para integrar um sujeito, ainda que este funcione bem socialmente. E as novas patologias nos convocam a olhar para sentidos perdidos (cito como exemplo as demências como Alzheimer) ou para a emergência de criá-los (como os autismos).
O que podemos enxergar dos sujeitos e suas relações quando somos freados por experiências desse tipo dentro do nosso cotidiano atribulado?
A Psicanálise se interessa pela interpretação dessa realidade, que é subjetiva e coletiva ao mesmo tempo.
O lugar do analista hoje vai além da escuta neutra e cuidadosa, é preciso chegar mais perto para ouvir melhor e quando preciso, construir junto uma nova linguagem.
REFERENCIAS
Chauí, M. (2018) ‘Escritos de Marilena Chauí / O que é cultura?’ Grupo Autentica – in: Escritos de Marilena Chaui | O que é cultura?
GREEN, A. (1974). ‘O analista, a simbolização e a ausência no contexto analítico’. A loucura privada: psicanálise de casos-limite. São Paulo: Escuta, 2017
Krenak, A. (2019) ‘Ideias para adiar o fim do mundo’ – São Paulo – Companhia das Letras, 2019.
Winnicott, W.D (1971) ‘A localização da experiência cultural’. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975
*Elza Regina Batocki
Graduação em Psicologia pela UniSal – Lorena (2008), pós-graduação em Clínica Psicanalítica pela mesma universidade (2010), formação básica em Psicanálise pelo Instituto Sedes Sapientae – GTEP de Lorena (2017)