A saúde mental retratada por adolescentes: uma pesquisa criativa
Mental health described by adolescents: a creative study
Danieli Amanda Gasparinia , Maria Fernanda Barboza Cida
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, São Carlos, SP, Brasil.
Como citar: Gasparini, D. A., & Cid, M. F. B. (2025). A saúde mental retratada por adolescentes: uma pesquisa criativa. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 33, e3886. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO399838861
* Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution.
Resumo
Introdução: Partindo de uma concepção plural da adolescência e da necessidade de ampliar os espaços de escuta das pessoas que vivenciam esse processo, observa-se sinalizações da literatura sobre a necessidade de que estudos considerem o lugar de fala da população adolescente a respeito da saúde mental e da adoção de metodologias que a considerem na produção de conhecimento sobre si. Objetivo: Identificar as compreensões de adolescentes estudantes de ensino médio sobre saúde mental. Método: Pesquisa qualitativa, realizada junto a 15 adolescentes estudantes de ensino médio, que utilizou do método criativo de elucidação gráfica para a produção dos dados. Os adolescentes escolheram elementos presentes em suas vidas para representar suas perspectivas sobre saúde mental. Resultados: Os participantes abordaram a saúde mental de forma ampla, relacionada à sensação de bem-estar, às possibilidades de se relacionar e ter uma rede de apoio, bem como a realização de atividades significativas e prazerosas. Conclusão: Os resultados reforçam a necessidade de um conceito ampliado de saúde mental, contextualizado com as necessidades, desejos, experiências, cultura e história dos sujeitos. Além disso, destacam a importância do investimento em estratégias de pesquisa que garantam o lugar de fala de adolescentes.
Palavras-chave: Adolescente, Saúde Mental, Metodologia, Criatividade, Visualização de Dados.
Abstract
Introduction: Based on a pluralistic conception of adolescence and the need to expand the spaces for listening to people who experience this process, there are indications in the literature about the need for studies to consider the place of speech of the adolescent population regarding mental health and the adoption of methodologies that consider them in the production of knowledge about themselves. Objective: To identify the understandings of high school adolescents about mental health. Method: Qualitative research, conducted with 15 high school adolescents, which used the creative method of graphic elucidation to produce data. The adolescents chose elements present in their lives to represent their perspectives on mental health. Results: The participants approached mental health in a broad way, related to the feeling of well-being, the possibilities of relating and having a support network, as well as the performance of meaningful and pleasurable activities. Conclusion: The results reinforce the need for a broader concept of mental health, contextualized with the needs, desires, experiences, culture and history of the subjects. In addition, they highlight the importance of investing in research strategies that guarantee the place of speech of adolescents.
Keywords: Adolescent, Mental Health, Methodology, Creativity, Data Visualization.
Introdução
A adolescência é um conceito que se transforma continuamente. Embora dispositivos como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) delimitem períodos etários para caracterizar esse momento de vida (12 a 18 anos para o ECA e 10 a 19 anos para OMS) com o intuito de estabelecer marcos legais que orientem o planejamento de políticas públicas, alguns autores têm defendido que é preciso considerar a adolescência em oposição a compreensões normalizadoras e desenvolvimentistas, que acabam por reforçar estereótipos como uma “fase” transitória (Brasil, 1990; Organización Mundial de La Salud, 2014; Castro, 2021). No entanto, é por meio da contínua interação entre a pessoa, com suas singularidades biológicas e psicológicas, e considerando o contexto histórico e sociocultural no qual ela vive, que o processo de adolescer acontece. Por isso, parte-se de uma pluralidade nas formas de ser adolescente (Gasparini, 2022; Rossi et al., 2019; Coutinho, 2009).
Alguns dados referentes a esse público têm demonstrado uma ampliação das problemáticas relacionadas à saúde mental. A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar de 2019, que analisou 125.123 escolares entre 13 e 17 anos, de escolas públicas e privadas das grandes regiões brasileiras, verificou que 17,7% desses adolescentes tiveram uma autoavaliação negativa de sua saúde mental. Além disso, outros 21,4% sentiam que a vida não valia a pena ser vivida; enquanto 40,9% se sentiam nervosos, irritados ou mal-humorados e 31,4% sentiam-se tristes na maior parte do tempo (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2021; Antunes et al., 2022).
Um relatório recente da Organização Mundial da Saúde (World Health Organization, 2022) indica que a adolescência é um momento sensível para a saúde mental, já que 14% dos adolescentes do mundo (considerando a faixa etária entre 10 e 19 anos) possuem algum transtorno mental e que o suicídio é uma das principais causas de morte dessa população. O relatório também aponta para uma escassez de profissionais, serviços e força de trabalho voltados para a atenção à saúde mental desse público.
Além disso, é preciso considerar a pandemia da COVID-19, que demandou medidas de distanciamento social, impactou as escolas, os espaços de circulação e os serviços de assistência a adolescentes, o que trouxe reverberações negativas para a saúde mental dessa população (Oliveira et al., 2020) especialmente durante aquele período, mas que ainda podem ser percebidas. Observa-se que várias indicações da literatura sobre o tema reforçam que adolescentes são mais propensos ao desenvolvimento de problemáticas relacionadas à saúde mental. Por isso, uma abordagem que considere os fenômenos culturais, sociais e temporais que permeiam esse momento de vida é necessária, já que análises individualizantes e que buscam enquadrar os processos do adolescer em concepções normalizadoras podem reforçar estereótipos e preconceitos por essa ser uma “fase problemática”.
Nesse sentido, são necessárias investigações que busquem explorar a diversidade de experiências vivenciadas pelos adolescentes, na perspectiva deles mesmos, de forma contextualizada no que se refere aos aspectos culturais, econômicos, sociais e temporais, no sentido de construir produções que não sejam silenciadoras dos processos e das necessidades desses sujeitos (Lourenço, 2017; Jucá et al., 2021; Rossi et al., 2019; Silva et al., 2019).
Um estudo relevante e, nessa perspectiva, exemplar, é o de Persson et al. (2017), que investigou a opinião de adolescentes suecos sobre o cuidado em saúde mental oferecido por um determinado serviço. Os participantes apontaram para a necessidade de serem vistos e ouvidos, e relataram experiências negativas com os profissionais de saúde, que frequentemente não prestavam atenção em suas demandas, tampouco as consideravam como um assunto sério. Além disso, os participantes contaram ainda que os profissionais restringiam-se apenas às problemáticas apresentadas, demonstrando falta de compreensão sobre suas experiências mais amplas. Ademais, afirmaram que os profissionais da área dedicavam maior atenção ao relato dos pais ou responsáveis, em detrimento do que os adolescentes expunham, fazendo com que eles se sentissem inferiorizados e despersonalizados, uma vez que terceiros poderiam, se requisitados, falar sobre os sentimentos que, ao fim, eram pessoais e intransponíveis.
Fernandes et al. (2022), referindo-se aos conceitos de saúde mental no campo de atenção à população infantojuvenil, apontam que são poucas as abordagens que procuram abordar a especificidade das adolescências, sendo necessário expandir seus elementos. Isso pode ser resultado da recente inserção da saúde mental infantojuvenil nas agendas das políticas públicas. As autoras indicam, ainda, uma possível definição, com base em estudos provenientes do campo, classificando a saúde mental infantojuvenil como:
[…] dinâmica e resultado da relação complexa entre os recursos e habilidades pessoais, fatores contextuais e determinantes sociais que, na dimensão do cotidiano, estão diretamente implicados na possibilidade de participação, fruição, reconhecimento e enfrentamento de desafios. Dentre outras, envolve-se a possibilidade de experienciar prazer, frustração, afeto, motivação e proatividade implicados nas descobertas e aprendizados genuínos da infância e da adolescência (Fernandes et al., 2022, p. 4).Na busca por estratégias que garantam espaços de escuta para a população adolescente na produção de conhecimento, as metodologias de pesquisa que são tradicionalmente utilizadas parecem ir na contramão do objetivo de incluí-los e considerá-los de forma aprofundada e respeitosa. As experiências de vida dessas pessoas são diferentes das vivências dos adultos, que são os que, na esmagadora maioria das vezes, produzem o conhecimento – inclusive sobre os próprios adolescentes, que, em momento algum, são convidados a serem interlocutores. Dessa maneira, é necessário repensar caminhos metodológicos interessantes e favoráveis à participação de adolescentes especialmente nas pesquisas acadêmicas, mas não só (Johansson et al., 2007).
Um estudo de revisão sobre pesquisas participativas com adolescentes no campo da saúde mental revela que estudos que consideram a participação direta desses sujeitos ainda parecem incipientes, em nível nacional, mas também mundial (Táparo et al., 2023). Destaca, também, que garantir a participação desses sujeitos irá demandar que “[…] outras estratégias de escuta sejam disponibilizadas e inventadas, levando em consideração as especificidades e potencialidades dos adolescentes”, o que convoca os pesquisadores a reconsiderar se o modo como estão abordando essa população é realmente efetivo e inclusivo (Táparo et al., 2023, p. 10).
Por isso, a utilização de métodos de produção de dados mais participativos e criativos pode ser uma estratégia que permita o maior direcionamento do foco da pesquisa para elementos que dialoguem com as percepções, contextos, cotidianos e vivências dos participantes. Esses dispositivos criativos podem ser imagens, fotos, músicas, elementos gráficos ou qualquer outra base criativa que privilegie a intuição e a imaginação como recursos que favoreçam a expressão do participante em relação à temática investigada. Dessa maneira, suas narrativas serão mais ampliadas e representativas (Liebenberg, 2009; Kara, 2015).
As observações aqui destacadas evidenciam a necessidade de que estudos futuros procurem desenvolver a temática da saúde mental agora pela perspectiva e vivência das próprias pessoas adolescentes, valendo-se de metodologias que considerem e dialoguem com as singularidades e os variados contextos em que elas se encontram, considerando-as na construção do conhecimento sobre si e nas suas concepções sobre saúde mental. Assim, o objetivo desta pesquisa foi identificar as compreensões de adolescentes estudantes de ensino médio sobre saúde mental.
Percurso Metodológico
O estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos de uma universidade pública federal (CAAE:39705420.7.0000.5504) e seguiu todas as questões éticas e legais. Os/as participantes menores de idade foram submetidos ao Termo de Assentimento Livre Esclarecido (TALE), portanto, seus responsáveis legais assinaram, por sua vez, o Termos de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). A participante maior de idade, então, assinou diretamente o TCLE.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de abordagem exploratória, que se valeu, para a produção dos dados, da técnica de Elucidação Gráfica, que consiste no uso de fotografias, vídeos, músicas, entre outros dispositivos criativos de comunicação não verbal escolhidos livremente pelos participantes da pesquisa para desencadear suas narrativas e enriquecer os dados da investigação. Cada participante apresenta, cria ou interpreta representações que estejam relacionadas ao tema da pesquisa durante a interação com a pesquisadora (Prodanov & Freitas, 2013; Cortés, 2017).
A utilização dessas representações, escolhidas pelos próprios participantes, é uma estratégia que busca acessar as suas realidades de forma mais aprofundada, já que elas podem oferecer outras formas de compreensão da temática estudada, diferentes das técnicas convencionais de pesquisa (como as entrevistas, por exemplo), privilegiando a criatividade dos participantes para a realização da pesquisa. Ressalta-se que não é feita uma análise interpretativa da foto (nem de qualquer outro dispositivo criativo de comunicação não verbal), mas das narrativas emergidas sobre elas e os motivos pela escolha (Cortés, 2017; Liebenberg, 2009). Assim, esse dispositivo não verbal opera, de certa maneira, como um desencadeador do discurso, que, ele sim, será analisado.
Especificamente sobre os procedimentos metodológicos da pesquisa aqui apresentada, destaca-se que a produção de dados ocorreu em um município do interior de São Paulo. Nesse sentido, é válido ressaltar que, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2021), a região sudeste concentra o maior percentual estimado de escolares entre 13 e 17 anos. É no estado de São Paulo, mais especificamente, que encontramos a população adolescente mais privilegiada em aspectos econômicos, acesso à educação e posse de bens e serviços, em comparação com as realidades de outros estados brasileiros (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2021; Corti, 2015).
. A produção dos dados desta pesquisa ocorreu entre os meses de março e junho de 2021, momento em que, no Brasil, a pandemia da COVID-19 e as medidas de contenção da doença foram intensificadas. Por isso, o contato inicial com e o convite aos/às adolescentes (assim como com seus responsáveis, no caso dos que não tinham 18 anos completos) ocorreu por meio de um aplicativo de mensagens instantâneas.
A impossibilidade de contato presencial também justificou o uso da técnica de amostragem “bola de neve” para a identificação dos/das adolescentes que viriam a ser participantes. Nela, são utilizados informantes-chaves para localizar participantes com o perfil necessário para a pesquisa e depois solicita-se que esses indiquem novos participantes a partir de seus próprios círculos sociais (Vinuto, 2014). A identificação dos participantes iniciou-se por meio de pessoas do círculo social da pesquisadora, que indicaram adolescentes que atendiam aos critérios de inclusão do estudo: os/as que estavam cursando o ensino médio em escolas localizadas no município alvo da pesquisa. Adolescentes que, mesmo indicados, não cursavam o ensino médio foram excluídos do estudo. A identificação dos primeiros participantes foi realizada com a ajuda de cinco informantes-chaves. No decorrer da produção dos dados, outros quatro adolescentes foram indicados por participantes previamente identificados.
Considerou-se, para o estudo, adolescentes estudantes do ensino médio, de escolas públicas e particulares. O processo de seleção dos participantes encerrou-se quando não foram recebidas novas indicações e quando se atingiu a saturação teórica, isto é, momento em que não estavam surgindo informações novas na análise dos dados produzidos (Fontanella et al., 2008).
Após o convite, autorização e o aceite de cada adolescente e de seus responsáveis (quando necessário), foi explicado que a produção dos dados ocorreria em um encontro posterior com a pesquisadora via chamada de vídeo online. Nesse encontro futuro, o/a adolescente também era convidado a trazer suas concepções sobre a temática da pesquisa. O pedido era feito a partir da seguinte afirmação:
Solicito que, para o nosso encontro, você traga algo que represente o que é saúde mental para você. Pode ser algo ‘já pronto’, ou algo que você queira produzir, ou já tenha produzido. Exemplo: uma música que você acha que represente a saúde mental para você, ou um desenho que você tenha feito, um objeto da sua casa, um livro que você já leu, uma imagem da internet, uma foto do seu celular, entre outros.
No dia do encontro remoto, o/a adolescente apresentava o que tinha escolhido para representar o que era saúde mental e narrava os motivos de tal escolha. Os encontros tiveram duração de mais ou menos 60 minutos e todos eles foram gravados. Posteriormente, as narrativas de cada participante foram transcritas e analisadas pela pesquisadora e pela orientadora do estudo com a Análise Temática de Bardin, que ocorre por meio da exploração de significados de determinadas temáticas, permitindo, assim, a descoberta de possíveis núcleos de sentido que compõem os dados. Ela se organiza a partir das seguintes etapas: (i) Pré-análise, em que ocorre a organização das ideias iniciais do planejamento da condução do estudo; (ii) exploração do material, realizado a partir dos objetivos do trabalho, em que ocorre a escolha das unidades por meio de possíveis categorias temáticas; e, por fim, (iii) o tratamento e interpretação dos resultados (Bardin, 2016).
Resultados
Participaram do estudo quinze adolescentes estudantes do ensino médio. Desses, quatro se autodeclararam do gênero masculino e onze, do gênero feminino. Oito adolescentes estudam em escolas públicas e sete, em escolas particulares. As idades dos participantes variaram entre 15 e 18 anos: eram oito adolescentes com 15 anos, seis com idades entre 16 e 17 anos e uma adolescente com 18 anos. Em relação ao ano escolar, oito cursavam o primeiro ano do ensino médio, dois cursavam o segundo ano e cinco, o terceiro ano. A Tabela 1 congrega as características aqui destacadas dos/das participantes:
Tabela 1. Caracterização dos/das participantes. Participante | Gênero | Idade | Escola | Série do Ensino Médio |
Participante 1 | Masculino | 16 | Pública | 3º |
Participante 2 | Feminino | 17 | Pública | 3º |
Participante 3 | Feminino | 15 | Particular | 2º |
Participante 4 | Masculino | 15 | Pública | 1º |
Participante 5 | Masculino | 15 | Particular | 1º |
Participante 6 | Feminino | 16 | Particular | 2º |
Participante 7 | Feminino | 15 | Pública | 1º |
Participante 8 | Masculino | 15 | Particular | 1º |
Participante 9 | Feminino | 15 | Pública | 1º |
Participante 10 | Feminino | 15 | Particular | 1º |
Participante 11 | Feminino | 17 | Particular | 3º |
Participante 12 | Feminino | 15 | Particular | 1º |
Participante 13 | Feminino | 16 | Pública | 1º |
Participante 14 | Feminino | 17 | Pública | 3º |
Participante 15 | Feminino | 18 | Pública | 3º |
Todos apresentaram uma representação para a temática da pesquisa. Alguns se utilizaram de objetos dos mais variados tipos, como uma medalha de um campeonato de futebol, uma carta de uma psicóloga, um caderno ganhado de presente de amigas, um par de patins, uma vitrola, uma bíblia e um livro. Outros adolescentes exploram músicas para representarem a saúde mental, seja uma canção ou um cantor específico. Tiveram aqueles, por outro lado, que mencionaram frases e até mesmo filmes para expressarem o que entendiam por saúde mental. A Tabela 2, logo abaixo, apresenta as representações trazidas por cada participante, ilustradas por trechos de suas narrativas.
A partir da análise das narrativas dos/das adolescentes sobre suas representações, emergiram três temáticas: o que representa saúde mental para adolescentes; a importância dos amigos e a realização de atividades significativas para a promoção da própria saúde mental. Estas serão detalhadas.
A saúde mental retratada por adolescentes: uma pesquisa criativa
Tabela 2. Representações sobre saúde mental trazidas pelos/as adolescentes. Participante
Elucidação Gráfica | |
Participante 1 | […] eu trouxe uma medalha de quando eu jogava futebol. |
Participante 2 | […] tem uma música que eu gosto bastante e que […] é uma música do Shawn Mendes, que é o meu artista favorito, e chama “In my blood”, que ele fala sobre a ansiedade. |
Participante 3 | É uma música, chama “Experience”, do Ludovico. |
Participante 4 | Eu peguei uma frase que eu acho que representa bem, que é tipo, abre aspas: o importante é sempre estar em paz consigo mesmo. |
Participante 5 | […] normalmente, para me sentir bem, né, eu costumo escutar algumas músicas. Normalmente é da Adele [que] eu escuto bastante, e da Billie Eilish também. |
Participante 6 | Então, tipo, eu peguei um exemplo de cada coisa. […] É… de livro, tem um que serve para livro e pra filme, que pra mim é o meu favorito desse tema que é “as vantagens de ser invisível”. E de filme, tem vários. “O mínimo pra viver”, que é mais centrado em anorexia, “Garota interrompida”, tem tudo. “As virgens suicidas”, é mais, não sei, acho que só depressão. E o “Lado bom da Vida”, é [sobre] bipolaridade. E aí de série, tem “Euphoria”, que é a série que mais trata disso e trata de um jeito bom. E “Skins”, que não trata de um jeito muito bom, mas trata e é a minha favorita desse tópico. E de música, adolescente mesmo que trata desses assuntos só a Billie Elish e aí eu peguei uma música dela que fala bastante sobre isso, que chama “Listen Before I go”. Mas também tem outras músicas, mas aí são feitas por adultos, então não sei se você acha relevante ou não. |
Participante 7 | […], mas eu já passei por um tratamento com psicóloga e […] ela me deu uma carta e eu peguei essa carta. |
Participante 8 | […] é uma coisa até que marcou a minha infância, sabe aquela música do “Toy Story”, do “Amigo Estou Aqui”. |
Participante 9 | Eu trouxe um caderno, que é esse daqui que eu ganhei ano passado, de três amigas minhas. […] Essas amigas se juntaram e fizeram esse caderno cheio de coisa, cheio de mensagem tipo… para me dar força, pra… sabe, como se fosse um apoio. |
Participante 10 | […] eu peguei uma vitrola que tem aqui em casa. […] E aí também, que não dá pra pegar,
são tipos músicas. Porque não é uma música em específico. [É] Qualquer música. |
Participante 11 | São fotos minhas e dos meus amigos. |
Participante 12 | Eu trouxe os meus patins. |
Participante 13 | […] eu trouxe a bíblia aqui. |
Participante 14 | Ah, eu trouxe essa foto aqui […] porque eu nunca tive amigos como eu tive com essa turminha aqui [da foto]. |
Participante 15 | Uma frase: […] Saúde mental significa felicidade. Vida feliz é uma vida equilibrada, uma vida que tem alguns sentidos, segundo Aristóteles. |
“Saúde mental significa felicidade, estar bem consigo mesmo” – O que representa saúde mental para adolescentes
Como foi solicitado, os/as adolescentes abordaram, por meio de representações, elementos sobre o que entendiam ser saúde mental. Parte do grupo explorou aspectos que a representavam de forma ampla, como o processo de sentir-se bem consigo mesmo e a sensação de plenitude e bem-estar. Um adolescente utilizou, inclusive, uma frase para representar a sensação de integralidade e o fato de conseguir lidar com todos os acontecimentos da vida. Outra adolescente, também se valendo de uma frase, relacionou a saúde mental ao estado de felicidade e equilíbrio, salientando que não se trata da ausência de alguma doença, seja física ou mental.
Eu peguei uma frase que eu acho que representa bem, que é tipo, abre aspas: o importante é sempre estar em paz consigo mesmo […] A saúde mental pra você ter ela é você ter, mesmo com seus problemas e tudo mais, você às vezes não precisa nem saber lidar, mas saber entender e saber que você não tem uma parcela de culpa nisso. Então aí é você se sentir em paz com os seus pensamentos, com o que você tem, com o que às vezes o que você acha que pode ser nocivo, outras vezes ter alguma coisa que te ajuda é você saber administrar isso, saber ter o controle, a paz sobre isso (Participante 4).
Saúde mental significa felicidade. Vida feliz é uma vida equilibrada, uma vida que tem alguns sentidos, segundo Aristóteles [mostrando a frase]. Foi o que eu estudei em filosofia. Ah, eu acho que a saúde não significa só que tem ausência de doença. Significa no nosso bem-estar interno. Nossos sentimentos, as nossas atitudes, o nosso estilo de vida, coisas assim do tipo. Não tem só a ver com doença ou ausência de doença (Participante 15).
Outros/as participantes abordaram a saúde mental relacionando-a à experiência do sofrimento psíquico. Nesse caso, as representações foram utilizadas para exemplificar as situações vividas nesse processo. Uma participante apresentou uma música de seu cantor favorito que, na sua percepção, retratava uma situação mais realista e não romantizada sobre o sofrimento causado pela ansiedade. Outra indicou várias obras cinematográficas que abordavam situações como anorexia, depressão e bipolaridade, e explicou que quis apresentá-las porque gostava da forma como essas situações eram retratadas de forma mais realista:
[…] é uma música do Shawn Mendes, que é o meu artista favorito, e chama “In my blood”, que ele fala sobre a ansiedade. Foi uma música, inclusive é uma das músicas dele mais conhecidas porque ele retrata bem até, né… não é de uma forma… ele não romantiza, né, como às vezes acontece e eu acho que mostra um lado bem real do que é (Participante 2).E de filme, tem vários. “O mínimo pra viver”, que é mais centrado em anorexia, “Garota interrompida”, tem tudo. “As virgens suicidas”, é mais, não sei, acho que só depressão. E o “Lado bom da Vida”, é [sobre] bipolaridade. E ai de série, tem “Euphoria”, que é a série que mais trata disso e trata de um jeito bom. E “Skins”, que não trata de um jeito muito bom, mas trata e é a minha
Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 33, e3886, 2025 7
favorita desse tópico. […] Eu acho que o que eles têm em comum é a abordagem principal sobre esse tema. […] eu gosto do jeito que é retratado (Participante 6).
“Quando estou com essas pessoas eu me sinto melhor” – A importância das relações para a saúde mental
Os/as participantes também se expressaram sobre a importância dos relacionamentos para a manutenção da saúde mental. Uma participante apresentou o suporte que teve no processo de acompanhamento terapêutico com sua psicóloga, levando ao encontro em questão uma carta que recebeu dessa profissional em uma dada ocasião. Outra apresentou o caderno que ganhou de presente de algumas amigas para demonstrar o quanto elas ofereceram suporte em uma fase difícil de sua vida:
Eu não sei se era bem o que você tava procurando, mas eu já passei por um tratamento com psicóloga. […] E aí conforme a gente foi tentando resolver esses problemas, ela me deu uma carta e eu peguei essa carta! […] Ela disse que todas as vezes que eu precisasse era pra ler, que me ajudava (Participante 7).
Eu trouxe um caderno, que é esse daqui que eu ganhei ano passado, de três amigas minhas. Ano passado eu tava numa fase muito ruim. Tipo, péssima. E aí essas amigas se juntaram e fizeram esse caderno cheio de coisa, cheio de mensagem, tipo… pra me dar força, pra… sabe, como se fosse um apoio? E aí quando eu tava mal, sempre que eu ficava, tipo, ruim, eu pegava esse caderno e ajudava muito, tipo, pensar que elas estavam ali perto de mim (Participante 9).
Nas narrativas, é possível observar que os/as adolescentes destacam a importância desses relacionamentos para sua saúde mental, pois os percebem como acolhimento de uma rede de suporte. Outras questões foram ressaltadas, como a convivência com essas pessoas, as diferentes trocas sobre os momentos da vida, assim como o apoio nas situações difíceis. Duas adolescentes utilizaram fotos para representar essas questões, enquanto outro participante trouxe uma música:
Ah, eu pensei nas fotos dos meus amigos porque pra mim é isso que representa saúde mental. […] É que, tipo, quando eu to com eles, eu me sinto muito bem e isso faz bem pra mim. […]. Quando eu to com eles, eu me sinto melhor, sabe? (Participante 11).
Aí eu peguei essa foto especialmente […], por causa do negócio de saúde mental. Porque eu nunca tive amigos como eu tive com essa turminha aqui [da foto], que é a mesma que eu jogo RPG. […] Eu acho que foi um momento que, tipo assim, eu pensei “caraca, eu tenho um grupo de amigos muito bom!” (Participante 14).
[…] eu pensei que, pra mim, meio que foi o mais importante pra eu me manter bem, acho que tanto em escola, quanto em outros quesitos, foram os meus amigos. Acho que foi o que me trouxe saúde mental porque muitas vezes eu tava com dificuldade na escola e algum amigo pedia “ah, você quer fazer tarefa junto comigo?”, aí eu falava “ah, eu topo!”. E me ajudou muito na época. […] então eu trouxe uma coisa bem simples. Sabe aquela música, aquela… é uma coisa até que marcou a minha infância, sabe aquela musiquinha do “Toy Story”, do “Amigo estou aqui”? […] É uma música simples, mas ela representa bem (Participante 8).“Pra me sentir bem, eu faço alguma coisa que eu gosto” – Saúde mental e realização de atividades significativas
Outros/as adolescentes trouxeram representações associadas à realização de atividades que costumam fazer para promover a própria saúde mental. Eram atividades que tinham um significado particular e, por esse motivo, faziam bem a eles/elas. Um adolescente trouxe uma medalha de um campeonato para representar o quanto gostava de jogar futebol. Outra participante trouxe os patins que costumava utilizar na casa de seu avô como um momento para lidar com situações difíceis. Uma outra adolescente trouxe a bíblia para expressar o quanto a vivência de sua religião ajudou na sua saúde mental:
É porque eu acho que assim: é… saúde mental é […] meio que fazer as coisas que você gosta de fazer. […] Então eu trouxe uma medalha de quando eu jogava […] futebol (Participante 1).
Porque, ah, eu ando [de patins] desde muito pequena, mas sempre quando eu… eu ando todo fim de semana […] no meu avô, ele mora em condomínio e eu vou de final de semana. E… me faz muito bem. Tipo, quando eu tô muito mal é a única coisa, é minha forma de escape (Participante 12).
[…] a primeira coisa que veio na minha cabeça foi isso, porque você não conversaria com essa pessoa se não fosse Deus e tudo isso assim, sabe? […] Saúde mental já veio na minha cabeça que, se eu tô aqui hoje é a bíblia, por conta de Deus, da palavra de Deus e por isso eu trouxe a bíblia aqui (Participante 13).Como apresentado nos trechos das narrativas, nessa temática, os/as adolescentes trouxeram objetos que representavam diretamente as atividades significativas – a medalha, os patins, a bíblia. Outros/as, por sua vez, indicaram o nome de alguma música ou mencionaram um cantor favorito. As atividades relatadas possuem, para cada um, um significado particular e revelam uma sensação de prazer, bem-estar e tranquilidade:
[…] normalmente, pra me sentir bem, né, eu costumo escutar algumas músicas. Normalmente é da Adele, eu escuto bastante, é… da Billie Eilish também. Isso depende do meu humor. Quando eu tô triste, eu escuto mais da Adele. Quando eu tô mais animado, da Billie Eilish (Participante 5).É uma música, chama “Experience” do Ludovico. […] Ah, porque sempre que eu tô muito agitada com alguma coisa ou meio mal, pra baixo, eu escuto ela, principalmente pra esvaziar a cabeça. Por isso que eu escuto bastante ela. Ela me ajuda com basicamente tudo (Participante 3).
[…] Eu peguei uma vitrola que tem aqui em casa. […] Porque, por exemplo, quando eu pego pra escutar música na vitrola é um momento que eu fico mais tranquila, que eu paro pra escutar. Que eu não tô fazendo outras coisas, só fazendo isso e, tipo, pra ficar mais calma, essas coisas assim (Participante 10).Discussão
A estratégia de elucidação gráfica junto aos/às participantes da pesquisa permitiu que eles/elas abordassem suas perspectivas com maior detalhamento a respeito da temática da saúde mental. Através da análise aqui apresentada, observou-se que ela foi abordada de forma ampliada, ao modo como as pessoas se sentem e lidam com a própria vida, não se limitando apenas a ausência de algum transtorno. Mesmo aqueles que relacionaram o tema atrelado ao fenômeno do sofrimento psíquico trouxeram uma concepção abrangente, através das experiências das pessoas, explorando os elementos envolvidos nesse processo.
Esse entendimento se relaciona com os fatores pessoais e contextuais, com o reconhecimento e enfrentamento de desafios e as possibilidades de experimentação abordados no conceito proposto por Fernandes et al. (2022). Trata-se, então, de uma compreensão que parece dialogar com os conceitos que consideram a saúde mental como fenômeno complexo e plural, envolvendo questões relacionados aos sujeitos, mas também às suas vivências, histórias, relações e contextos (Amarante, 2007).
Fernandes et al. (2022) destacam, ainda, que é preciso avançar nas compreensões sobre a temática da saúde mental, considerando diferentes metodologias e contextos infantojuvenis. As sinalizações da literatura também apontam a lacuna dos estudos no acesso às perspectivas de adolescentes sobre o tema e as ações de cuidado (Persson et al., 2017; Rossi et al., 2019).
Nessa direção, os resultados do estudo reforçam que considerar as concepções dos adolescentes sobre essa temática pode oferecer elementos que ajudem no aprofundamento dos estudos de maneira mais contextualizada com suas diferentes vivências. Por isso, é preciso investir em ações e pesquisas com adolescentes, mas que considerem seus diferentes lugares de fala (Ribeiro, 2019). Como aponta Ribeiro, adotar essa perspectiva é analisar os discursos, que são diversos, por meio da localização social daquele sujeito. Esse lugar, que cada sujeito ocupa socialmente conforme suas condições social, econômica, racial etc., acarreta experiências e enviesamentos inerentes a essa posição e, por isso, a promoção da multiplicidade de vozes pode ser uma inversão estratégica do discurso hegemônico (Ribeiro, 2019, p. 53-54).
Considerar os diferentes lugares de falas da população adolescente pode ser, então, um caminho para o fortalecimento e ampliação de conceitos, como o da saúde mental, além de contribuir para o rompimento de perspectivas individualizadoras, biomédicas, medicalizantes e totalmente focadas e baseadas nas experiências dos adultos.
Quando os/as participantes abordam a importância dos relacionamentos para a saúde mental e o quanto eles podem favorecê-la, esses achados também se relacionam com os estudos que apontam o quanto as redes de suporte social proporcionam encorajamento e oferecem subsídios para que se lide com desafios dos mais diversos (Poletto & Koller, 2008). No caso específico de adolescentes, a necessidade de se sentir pertencente ao grupo de amigos é algo crucial na experiência desse momento de vida, já que as relações de amizade exercem influência na forma como adolescentes constroem a própria identidade, além desses grupos possibilitarem a construção de uma rede de apoio, ter pessoas com quem contar, compartilhar experiências e situações difíceis, estabelecer relação de confiança, além de sentir-se respeitado e compreendido (Carvalho et al., 2017; Longaretti, 2020).
Nos modos e moldes de vida da sociedade contemporânea, marcada por processos individualizadores e que centralizam as trajetórias dos sujeitos como resultado exclusivo das suas escolhas, as indicações dos/das adolescentes sobre a importância dos relacionamentos na constituição da saúde mental reforçam a necessidade de considerar esse fenômeno pela ótica social (Mitjavila & Jesus, 2004). A saúde mental é um campo plural, que diz respeito não apenas ao estado mental dos sujeitos, mas de suas
coletividades, o que convoca uma pluralidade de atores e saberes para o seu debate, já que ele se constitui “[…] na complexa rede de saberes que se entrecruzam” – histórias, sujeitos, sociedades e culturas (Amarante, 2007, p.14).
Dessa forma, os resultados da presente pesquisa fortalecem a exigência de não se restringir as discussões desse campo em questões que tratam apenas de elementos individualizados. Na direção do aprofundamento das concepções de saúde mental, deve-se considerar que é imprescindível a análise dos contextos sociocoletivos.
Os/as participantes, ao serem convidados/as a buscarem formas de representar o tema, indicaram que saúde mental é ter a possibilidade de realizar atividades significativas, como algo que traz sentimentos bons, prazer, sensações e experiências positivas, o que, segundo eles/elas, promoveria uma boa saúde mental.
A terapia ocupacional brasileira, em seu percurso histórico, se aproximou das atividades na sua prática profissional. O uso delas nos processos de cuidado da profissão avançou juntamente com as mudanças e alargamento das definições de saúde. Quando se compreende esse conceito de modo abrangente, para além da ausência de um diagnóstico/doença, não como redução de um dano apenas, mas como a produção da vida, isso demanda uma pluralidade de ações tanto no seu cuidado quanto na sua promoção (Castro et al., 2001).
Lima, a partir das indicações de Winnicott (1975 apud Lima, 2006, p. 119), apresenta que uma concepção ampliada de saúde se relaciona com as formas de viver e “[…] com a possibilidade de experimentar a criatividade e com a capacidade de ter experiências culturais”. Dessa forma, os processos de saúde – e de saúde mental – não devem ser apartados de experiências prazerosas, trocas sociais e circulação pelo mundo. Partindo da prática da terapia ocupacional, é possível considerar que realizar atividades pode ser uma forma de ampliar horizontes e criar possibilidades.
As atividades são construções altamente completas. São “pistas inquietantes” porque “[…] são construções sócio-históricas, relacionais, culturais, expressões dos modos de vida; elas envolvem cotidianos e seus desejos, saberes-fazeres, potenciais transformadores próprios; são produção de vida e de mundos” (Cardinalli & Silva, 2021, p. 12). Nesse ponto de produção de vida, a realização de atividades está relacionada ao cotidiano e possibilita a criação de espaços de saúde. Isso ocorre porque, ao realizá-las, os sujeitos têm a oportunidade de fazer escolhas, reconhecerem a si mesmos e se apropriarem do que é seu (Marcolino & Fantinatti, 2014).
Souza (2022) indica que poder vivenciar espaços artístico-culturais podem ser um caminho potente para a promoção da saúde mental da população adolescente. Em uma pesquisa que contou com a participação de seis adolescentes envolvidos em projetos de arte/cultura, eles consideram esses espaços como favorecedores da participação e da expressão cultural, além de que ofertavam a oportunidade de desenvolvimento da cidadania, de processos críticos, da criação de oportunidades e da possibilidade de existir. Essa pode ser uma indicação relevante para futuras investigações e desenvolvimentos de práticas voltadas ao campo da saúde mental das adolescências.
Ao analisar as narrativas dos/das adolescentes participantes da presente investigação, percebe-se que, quando falam sobre fazer diferentes atividades, das mais diversas naturezas possíveis, estão, na verdade, afirmando que estão promovendo, para si, espaços de saúde mental em suas vidas. Esse fato pode acrescentar às concepções de saúde mental outras que abarquem as diversas oportunidades de vivências, que são plurais devido à multiplicidade de
formas de ser/estar no mundo, talvez um reflexo que emerge da imensa gama de contextos socioculturais. A oportunidade de realizar atividades prazerosas, de vivenciar espaços que possibilitem o aumento desse repertório, pode então ser um caminho a ser considerado nas ações de cuidado e promoção à saúde mental, o que também se correlaciona com a imprescindibilidade de, novamente, compreender a temática de forma abrangente.
Por último, é importante reforçar que o presente estudo foi realizado durante a pandemia da COVID-19, contexto que trouxe desafios significativos à vivência de adolescentes, nas suas relações sociais e atividades cotidianas, principalmente devido à privação de convivência presencial com outros pares em seus espaços de circulação (Costa et al., 2021). Por isso, considera-se que o distanciamento social e as restrições impostas possam ter influenciado as perspectivas sobre saúde mental apresentadas pelos e pelas participantes, especialmente no que diz respeito à importância atribuída ao bem-estar, à rede de apoio e à realização de atividades significativas.
Essa conjuntura ressalta como as limitações ao convívio social e no acesso a espaços de lazer e cultura (não apenas em situações adversas como a pandemia) podem impactar negativamente a vida das adolescências. Tal cenário reforça a necessidade de estratégias que promovam o fortalecimento de vínculos, de espaços de expressão e escuta para essa população.
Conclusão
A pesquisa relatada teve o objetivo de identificar a compreensão de adolescentes estudantes de ensino médio sobre saúde mental. Por meio dos resultados, foi possível verificar que os/as participantes compreendiam a saúde mental de forma ampla, relacionada à sensação de bem-estar, às possibilidades de se relacionar e realizar atividades significativas. As indicações dos/das adolescentes reforçam que a saúde mental deve ser compreendida e contextualizada não apenas a condições biológicas dos sujeitos, mas também a partir de suas necessidades, desejos, experiências, contextos e relacionamentos.
Ressalta-se que a investigação apresentou limitações, como a estratégia de amostragem bola de neve ter ocasionado participantes com um perfil e contexto muito semelhantes entre si, não sendo possível considerar outros contextos plurais das adolescências. Mesmo assim, considera-se que o objetivo foi alcançado e que os resultados contribuem com elementos trazidos pelas experiências de pessoas que vivenciam a adolescência, o que pode colaborar na construção de práticas que sejam mais democráticas e participativas no cuidado e promoção à saúde mental dessa população.
Considera-se, ainda, que a técnica de elucidação gráfica se revelou uma estratégia possível e potente no acesso às perspectivas dos/as adolescentes sobre saúde mental. Com ela, foi possível acessar outras vivências e percepções que extrapolaram os discursos sobre a temática. Por isso, acredita-se que a presente pesquisa pode contribuir para o desenvolvimento de ações de cuidado e promoção à saúde mental de adolescentes, mas também em formas possíveis de facilitar a aproximação efetivação junto dessa população, considerando suas singularidades e perspectivas de forma contextualizada.
*Recebido em Jun. 27, 2024; 1ª Revisão em Jul. 9, 2024; Aceito em: Jan. 2, 2025. Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 33, e3886, 2025 | https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO399838861 1
Referências
Amarante, P. (2007). Saúde mental, Territórios e Fronteiras. In: P. Amarante (Ed.), Saúde mental e atenção psicossocial (pp. 14-18). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. úde mental retratada por adolescentes: uma pesquisa criativa
Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 33, e3886, 2025 14
Antunes, J. T., Pena, E. D., Silva, A. G., Moutinho, C. S., Vieira, M. L. P., & Malta, D. C. (2022). A saúde mental dos adolescentes brasileiros: pesquisa nacional de saúde escolar de 2019. Revista Mineira Enfermagem, 50, 1-9.
Bardin, L. (2016). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.
Brasil. (1990, 13 de julho). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1.
Cardinalli, I., & Silva, C. R. (2021). Atividades humanas na terapia ocupacional: construção e compromisso. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, 1-17.
Carvalho, R. G., Fernandes, E., Câmara, J., Gonçalves, J. A., Rosário, J., Freitas, S., & Carvalho, S. (2017). Relações de amizade e autoconceito na adolescência: um estudo exploratório em contexto escolar. Estudos de Psicologia, 34(3), 379-388.
Castro, E. D., Lima, E. M. F. A., & Brunello, M. I. B. (2001). Atividades humanas e terapia ocupacional. In M. M. R. P. Carlo & C. C. Bartalotti (Eds.), Terapia ocupacional no Brasil: fundamentos e perspectivas (pp. 41-62). São Paulo: Plexus.
Castro, L. R. (2021). Os universalismos no estudo da Infância – a criança em desenvolvimento e a criança global. In L. R. Castro (Ed.). Infâncias do sul global: experiências, pesquisa e teoria desde a Argentina e o Brasil (pp. 41-60). Salvador: EDUFBA.
Cortés, A. I. R. (2017). Desenhos, vinhetas e diagramas: ouvindo as narrativas das crianças através da elucidação gráfica. Revista Pesquisa Qualitativa, 5(8), 312-326.
Corti, A. P. (2015). À deriva: um estudo sobre a expansão do ensino médio no estado de São Paulo (1991-2003) (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.
Costa, L. C. R., Gonçalves, M., Sabino, F. H. O., Oliveira, W. A., & Carlos, D. M. (2021). Adolescer em meio à pandemia de Covid-19: um olhar da teoria do amadurecimento de Winnicott. Interface: a Journal for and About Social Movements, 25(Supl. 1), 1-12.
Coutinho, L. G. (2009). Adolescência e errância: destinos do laço social contemporâneo. Rio de Janeiro: Nau, FAPE.
Fernandes, A. D. S. A., Cid, M. F. B., Taño, B. L., & Matsukura, T. S. (2022). A saúde mental infantojuvenil na atenção básica à saúde: da concepção às implicações para o cuidado. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, 1-16.
Fontanella, B. J. B., Ricas, J., & Turato, E. R. (2008). Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cadernos de Saúde Pública, 24(1), 17-27.
Gasparini, D. A. (2022). Saúde mental e sofrimento psíquico na perspectiva de adolescentes (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2021). Pesquisa Nacional de Saúde Escolar – 2019. Rio de Janeiro: Coordenação de População e Indicadores Sociais. Recuperado em 27 de junho de 2024, de https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101852
Johansson, A., Brunnberg, E., & Eriksson, C. (2007). Adolescent girls’ and boys’ perceptions of mental health. Journal of Youth Studies, 10(2), 183-202.
Jucá, V. J. S., Barros, D. N. S., & Lemos, R. M. (2021). As conversações e a narrativização do sofrimento psíquico entre adolescentes. Revista de Psicología, 12(2), 132-146.
Kara, H. (2015). Creative reserach methods in the social sciences: a pratical guide. Bristol: University of Bristol, Policy Press.
Liebenberg, L. (2009). The visual image as discussion point: increasing validity in boundary crossing research. Qualitative Research, 9(4), 441-467.
Lima, E. M. F. A. (2006). Saúde Mental nos caminhos da terapia ocupacional. O Mundo da Saúde, 30(01), 117-122.
Longaretti, L. (2020). Perpeptions and experiences of belonging during the transition from primary to secondary scholl. The Australian Journal of Teacher Education, 45(1), 31-46.
Lourenço, M. S. G. (2017). Saúde mental infantojuvenil: identificando realidades de municípios que não contam com CAPS infantojuvenil, a partir da atenção básica em saúde (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.
Marcolino, T. Q., & Fantinatti, E. N. (2014). A transformação na utilização e conceituação de atividades na obra de Jô Benetton. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 25(2), 142-150.
Mitjavila, M. R., & Jesus, C. S. (2004). Globalização, modernidade e individualização social. Revista Katálysis, 7(1), 69-79.
Oliveira, W. A., Silva, J. L., Andrade, A. L. M., Micheli, D., Carlos, D. M., & Silva, M. A. I. (2020). A saúde do adolescente em tempos da COVID-19: scoping review. Cadernos de Saúde Pública, 26(8), 1-14.
Organización Mundial de La Salud – OMS. (2014). Salud para los adolescentes del mundo: una segunda oportunidad en la segunda década. Genebra. Recuperado em 15 de junho de 2024, de https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/141455/WHO_FWC_MCA_14.05_spa.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Persson, S., Hagquist, C., & Michelson, D. (2017). Young voices in mental health care: exploring children’s and adolescents’ service experiences and preferences. Clinical Child Psychology and Psychiatry, 22(1), 140-151.
Poletto, M., & Koller, S. H. (2008). Contextos ecológicos: promotores de resiliência, fatores de risco e de proteção. Estudos de Psicologia, 25(3), 405-416.
Prodanov, C. C., & Freitas, E. C. (2013). Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico (2. ed). Novo Hamburgo: Feevale.
Ribeiro, D. (2019). Lugar de fala. São Paulo: Pólen.
Rossi, L. M., Marcolino, T. Q., Speranza, M., & Cid, M. F. B. (2019). Crise e saúde mental na adolescência: a história sob a ótica de quem vive. Cadernos de Saúde Pública, 35(3), 1-12.
Silva, J. F., Matsukura, T. S., Ferigato, S. H., & Cid, M. F. B. (2019). Adolescência e saúde mental: a perspectiva de profissionais da Atenção Básica em Saúde. Interface: a Journal for and About Social Movements, 23, 1-14.
Souza, T. T. (2022). Arte, cultura e saúde mental: histórias de adolescentes vinculados a projetos artísticos-culturais (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.
Táparo, F. A., Placeres, L. B., Lussi, I. A. O., & Cid, M. F. B. (2023). Pesquisa participativa com adolescentes no campo da saúde mental: uma revisão de literatura. Gerais: Revista Interinstitucional em Psicologia, 16(3), 1-23.
Vinuto, J. A. (2014). Amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Temáticas, 22(44), 203-220.
World Health Organization – WHO. (2022). World mental health report: transforming mental health for all. Geneva. Recuperado em 15 de junho de 2024, de https://www.who.int/publications/i/item/9789240049338
Contribuição das Autoras
Danieli Amanda Gasparini: concepção do texto, organização de fontes e análises, redação do texto e revisão. Maria Fernanda Barboza Cid: concepção do texto, redação do texto, revisão. Todas as autoras aprovaram a versão final do texto.
Fonte de Financiamento
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Código 001.
Autora para correspondência
Danieli Amanda Gasparini e-mail: danigasparini@gmail.com
Editora de seção
Profa. Dra. Adriana Miranda Pimentel